“A gente nasce e morre sozinho, ninguém pode pegar na nossa mão. Agora, no meio do caminho..isso já é outra história.”
As relações humanas, e principalmente os mecanismos de relacionamento, invariavelmente se modificam com o tempo. Os vínculos amorosos não fogem à regra. A evolução do mundo digital encurtou as distâncias, inundou o mercado de possibilidades e aproximou as pessoas.
O Tinder (maior aplicativo de pareamento do mundo) exibe em seu site que mais de 10 bilhões de combinações já foram formadas, com mais 26 milhões acontecendo diariamente. Por um lado, a eclosão dos sites e aplicativos de pareamento reformou os padrões de relacionamento. Por outro, suscitou questionamentos sobre a fluidez e profundidade dos laços construídos através destes mecanismos.
Thiago de Almeida, psicólogo e mestre pelo Instituto de Psicologia da USP (IP-USP), por exemplo, acredita que “vivemos a era do amor líquido, dos relacionamentos digitais, da facilidade na comunicação e nas relações”. Segundo ele, a abundância de pretendentes e agilidade com que se obtêm informações sobre os pares fragiliza a formação de elos duradouros: “A acessibilidade às redes sociais faz com que se conheçam mais pessoas e as relações tornem-se mais fáceis, menos comprometidas”.
Almeida acredita que as possibilidades praticamente inesgotáveis tornam o próprio processo de aproximação entre as pessoas superficial. “A ordem é conhecer sempre mais e mais pessoas até encontrar aquela que vai nos interessar”, completa.
Realidade vs Expectativa
Ainda sobre este processo de “seleção” de parceiros, Jaroslava Varella Valentova, professora do IP-USP, compara os relacionamentos virtuais e os reais. Ela aponta uma diferença clara e muito importante que segrega os dois processos: nos encontros presenciais, primeiramente as pessoas se conhecem para depois captar informações sobre o outro. Nos virtuais, acontece justamente o aposto: o parceiro é selecionado com base em suas características e só depois disso um encontro é marcado.
Outra diferença, segundo Jaroslava, se dá na confiabilidade das informações divulgadas nos aplicativos. Nos meios digitais, é fácil ocultar alguns fatos ou distorcê-los para influenciar o par. “Só que não é tão fácil mentir pessoalmente, porque a maioria da comunicação é não-verbal. E controlar os gestos, a mímica, é quase impossível”, conclui a professora.
Apesar de uma parcela considerável das pessoas que usam este tipo de aplicativo estar procurando relações pontuais, muitas buscam relacionamentos sérios e duradouros. Passada a fase inicial de aproximação entre os usuários, a eficácia dos serviços é questionada sobre a formação de casais que permaneçam juntos.
Cláudia Prioste, especialista na relação entre os adolescentes e a internet (o seu livro “O adolescente e a internet: laços e embaraços no mundo virtual”, foi recém-lançado pela Edusp) e doutora pela Faculdade de Educação da USP (FE-USP), ressalta que a possibilidade de arrumar novos parceiros faz com que as pessoas se dediquem menos aos relacionamentos já consolidados. Segundo ela, “na primeira dificuldade, já existem inúmeras outras opções para substituir determinado alguém. Isso deixa as pessoas mais indecisas, pensando que sempre podem ter algo melhor. Assim, não investem na relação, qualquer frustração já basta”.
Por outro lado, muitas histórias de casais com longos relacionamentos — e que se conheceram através destes aplicativos — estão disponíveis na internet. O próprio site do Tinder disponibiliza uma série de relatos de casais formados entre usuários do serviço.
Entre os que buscam novas experiências e relacionamentos pontuais, as histórias de sucesso são ainda mais volumosas. Um estudante de matemática revela, por exemplo, como o Tinder foi o responsável pela sua primeira experiência sexual. “Entrei no aplicativo quando estava no segundo ano do ensino médio, por causa de indicações de amigos, que disseram que era divertido. Uma vez, dei combinação com uma menina, a gente começou a conversar e marcamos de sair. Depois de quatro encontros, rolou”, conta.
Perfil
Segundo dados fornecidos pelo próprio Tinder, os homens são maioria no aplicativo, somando 62%. Quanto a faixa etária, pessoas com idade entre 25 e 34 anos são majoritárias e representam 45% dos usuários, seguidos pelas de 16 a 24 anos, que compõem 38% do total.
Um dado curioso é que as mulheres passam mais tempo no programa (em média 8,5 minutos, contra 7,2 dos homens), mas escolhem três vezes menos parceiros: apenas 14% frente aos 46% dos homens.
Outro fato é que apenas 54% dos usuários são solteiros (30% são casados e 12% estão em um relacionamento). Segundo o psicólogo Thiago de Almeida, as pessoas “acreditam que virtualmente é possível conhecer outras pessoas, sem que sintam estar traindo seus parceiros”.
Um grande problema de aplicativos como o Tinder é o relativo anonimato. Qualquer pessoa pode criar uma conta e estruturá-la da maneira que julgar conveniente, o que permite, por exemplo, que perfis falsos sejam criados e usados para assediar outros usuários.
Para Jaroslava, uma possível solução para o problema é a cobrança de taxas para usar os serviços. Segundo ela, isso limita e desestimula a ação dos assediadores, além de garantir que somente pessoas realmente interessadas em encontrar parceiros se registrem.
Deu match
Jaroslava lembra que estes sistemas não segregam as minorias LGBT, que podem selecionar pares compatíveis com sua orientação sexual.
Justamente com este intuito de aproximar pessoas com características semelhantes, diversos aplicativos têm sido criados: LGBTs, evangélicos, pessoas com mais de 40 anos, obesos, nerds e outros grupos específicos já têm redes voltadas a eles.
Um caso interessante é o do Vinder, criado para que pessoas veganas e vegetarianas possam se conhecer. Segundo a criadora do aplicativo, Carolinne Pinheiro, formada em Gestão de Políticas Públicas pela USP, existe uma grande demanda para estes serviços em alguns grupos restritos. “Percebemos que grande parte dos usuários são universitários e tem idade entre 19 e 24 anos”, explica. Carolinne ainda conta que, logo quando o aplicativo foi criado, recebeu uma proposta de compra, mas recusou. “Depois do boom inicial, agora já com dois sócios, recebemos a segunda proposta de aquisição”, complementa.
Outro ponto benéfico deste tipo de software é a inserção social de pessoas extremamente tímidas e retraídas.
A utilização dos aplicativos de pareamento pode ser positiva para estas pessoas, já que, segundo Cláudia Prioste, “o ser humano, pela repetição de experiências, vai criando formas de satisfação. Quanto mais tempo eles ficam isolados, mais difícil fica para eles se inserirem de volta na vida social”.
A psicóloga elucida que alguns homens passam grande parte de sua vida sem saírem de casa e absolutamente afastados do convívio social. Este comportamento configura a chamada Síndrome de Hikikomori e, segundo ela, “a tendência atual dos pesquisadores é achar que esta síndrome tem uma relação direta com a cultura digital”.
Mistério
Com os mais diversos objetivos, as pessoas usam aplicativos de pareamento. E não vão parar de usar. Os efeitos práticos desta mudança de hábito social ainda não estão claros nem para os desenvolvedores, nem para os especialistas. De qualquer forma, eles concordam em uníssono que se trata de uma renovação de método para atingir um mesmo fim.
Jaroslava lembra que os relacionamentos afetivos são complexos e não podem ser explicados por um algoritmo. “As pessoas acham que sabem o que querem no parceiro, mas a verdade é que a escolha não é consciente. O amor ainda é um mistério”, finaliza.
Source: http://www.usp.br/aunantigo
O amor nos tempos do Tinder: Uma análise dos relacionamentos amorosos na contemporaneidade a partir da compreensão de adultos e jovens adultos
RESUMO
Em uma sociedade marcada pela efemeridade, descarte e fluidez, os relacionamentos amorosos passaram a ser afetados por estes predicados. Na era do amor líquido e dos relacionamentos virtuais, os indivíduos passam a manter vínculos afrouxados a fim de desfazê-los rapidamente. Partindo desta premissa, o presente estudo buscou comparar o discurso de pessoas com idade entre 20 e 25 anos com o de pessoas com idade entre 40 e 45 anos. A metodologia utilizada foi a pesquisa qualitativa, com uso de entrevistas semiestruturadas realizadas com oito participantes. Para a interpretação e compreensão dos dados obtidos fez-se uso da análise do conteúdo de Bardin. Pudemos concluir que a faixa etária é um fator relevante na consideração dos relacionamentos amorosos na contemporaneidade e que a dita liquidez dos relacionamentos não é avaliada da mesma forma por todos os indivíduos considerados no estudo.
Palavras-chave: amor, relacionamentos, contemporaneidade, virtual.
1 Introdução
“Beijar cem pessoas em um dia” e “já havia conquistado 33 mulheres em menos de duas horas”. Ambas as frases foram retiradas de uma matéria publicada no G1 intitulada “Jovens tem até meta para beijar na boca em point na Festa do Peão”. A notícia denota o quanto o fenômeno denominado de ‘ficar’ tornou-se comum entre as pessoas na atualidade. A partir dela é possível perceber que, dada a possibilidade de se estabelecer um relacionamento com várias pessoas em um mesmo dia, o modo de se estabelecer um vínculo amoroso está passando por transformações bastante radicais e intensas. Desta forma, a Psicologia não pode se furtar a debruçar-se sobre o tema.
Compreende-se que o conceito de amor é um processo construído ao longo do tempo a partir de um contexto social, histórico, religioso, cultural, econômico e político. Diante disso, percebe-se uma série de estudos que se debruçaram a problematizar as alterações que as práticas amorosas sofreram no decorrer da história (Bauman, 2004; Chaves, 2001; Costa, 1998; Giddens, 1993). Também é possível encontrar estudos que visam problematizar questões mais contemporâneas sobre o assunto, tais como, os relacionamentos amorosos e a tecnologia (A. S. M. Dela Coleta, Dela Coleta & Guimarães, 2008) e estudos empíricos sobre relacionamentos entre jovens (Chaves, 2010; Chaves, 2016). Outro estudo na área foi o de Schlosser e Camargo (2014), os autores visaram fazer um levantamento sobre as pesquisas que ocorreram com a temática do amor e relacionamentos amorosos, datados de 2002 a 2012.
Entre os muitos autores que discorrem sobre o amor, encontramos Simmel (1909/1993) em sua Filosofia do amor e Barthes (1977/2003) com seu Fragmentos de um discurso amoroso. De acordo com Georg Simmel (1909/1993) o sentimento do amor tem uma associação direta com o objeto amado. Assim a pessoa que ama passa a compreender que sua vida é unicamente mediada pelo amor de seu amado. O sujeito nessa condição, afirma, objetiva unir-se ao amado a fim de tornarem-se uma única pessoa. Assim, Simmel analisa o amor a partir de uma paradoxal visão do egoísmo e da dependência, uma vida movida pela alteridade e pela heteronomia, visto que nossa felicidade, atrelada exclusivamente á presença do amor, é mercê do amor do outro, que pode ou não corresponder ao nosso.
Já para o semiólogo Rolland Barthes (1977/2003) no amor há um processo de anulação pessoal dos amantes, em que dois se tornam um. Alerta também para a solidão do discurso amoroso na atualidade, das cartas de amor, por exemplo, atropeladas por outros discursos, primordialmente o discurso científico, hipertrofiado e hipervalorizado. Walter Benjamin (1994) é outro que irá lamentar a perda do poder do narrador romântico, sobrepujado pelo efervescente mundo das informações midiáticas. Percebe-se claramente a diferença e o contraste existentes entre a concepção de amor dos autores, apresentado como a fusão de dois corpos em um e a constituição de uma subjetividade partilhada a dois, com a noção de liquidez dos relacionamentos contemporâneos, em que não se busca necessariamente este ideal, mas antes temos a visão de relacionamentos efêmeros e hedonistas.
Sobre a questão do amor, Freud cita, em Mal-estar na Civilização, que esta é a forma do homem de atender ao princípio do prazer, ou seja, é uma das maneiras que este tem de encontrar a felicidade. Contudo, é diante disso que este passa a ser visto por meio de uma eficácia limitada, pois a ausência do objeto de amor deixa o sujeito no desamparo. Isso é notavelmente percebido já que o sujeito nunca está tanto indefeso contra o sofrimento quanto ao fato de estar amando; e nunca se encontra tão desamparadamente infeliz do que quando perde seu objeto de amor ou não é correspondido, como no caso do jovem Werther, criado por Goethe (1774/2009), e de tantos outros.
Costa (1998) tem uma concepção similar ao retratar que o amor pode tanto ser fruto de felicidade quanto fonte de profundo sofrimento. Percebe-se então que o indivíduo tem uma necessidade de amar e, simultaneamente, um receio de se ferir. A estratégia contemporânea passa a ser o estabelecimento de um prazo de validade pré-determinado, um amor com data de vencimento já estabelecida, esses relacionamentos líquidos acabam sendo marcados por encontros de sexo casuais que recebem a denominação de “fazer amor” (Carvalho, 2010; Bauman, 2004).
Uma autora em particular lança luzes bastante peculiares sobre o assunto, muito antes que pudéssemos imaginar viver no mundo líquido e volátil apontado por Bauman. Para AynRand, romancista e teórica de um pragmatismo ultra-radical, musa do movimento chamado de libertarismo ou objetivismo, o amor nada mais é do que uma transação como outra qualquer. Tal tese pode ser encontrada, por exemplo, em A revolta de Atlas, publicado em 1957 (Rand, 2012). À visão altruísta que encara o amor como doação, renúncia, algo que estaria acima dos interesses pessoais ou mesmo como ferramenta de perpetuação da espécie, Rand contrapõe a noção de que o ser humano é essencialmente egoísta e solitário e que deve fazer todo o possível para atingir a felicidade pessoal, independente de qualquer outra variável (incluindo, evidentemente, o amor ou a consideração do outro).
Percebe-se como tal ideia pragmática e objetificante das relações humanas é o terreno ideal para que frutifique a noção de que relações, inclusive as amorosas, são contratos com um objetivo específico a se cumprir e que, caso o combinado não se cumpra, possam ser imediatamente desfeitos. É o que o sociólogo Ferdinad Tönnies (Tönies, 1887/1957 citado por Defleur & Ball-Rokeach, 1993) denominara a passagem do elo comunitário e tradicional (Gemmeinshaft), em que vigoram relações clânicas, filiais, sanguíneas e em que o lastro social é a palavra para o elo societário e moderno (Gesselschaft), típico do mundo industrial, em que relações anônimas passam a prevalecer (Tönies, 1887/1957 citado por Defleur & Ball-Rokeach, 1993). Neste caso, o lastro há de ser o contrato. Tais relações, que nascem do mundo do comércio e dos negócios não, tardaram a invadir a esfera privada, reconfigurando para sempre o que se costumava chamar de casamento.
Tendo isso em mente, passamos a nos questionar: Como se constituem os relacionamentos amorosos na contemporaneidade? Que mudanças subjetivas somos capazes de identificar? Como analisar e problematizar questões associadas aos relacionamentos amorosos na contemporaneidade? Neste sentido acreditamos que um importante meio de acesso a tais informações seria dando voz aos sujeitos em questão. Para tanto, realizamos uma série de entrevistas semiestruturadas com oito estudantes de graduação, com faixa etária entre 20 e 25 anos e outros entre 40 e 45 anos de uma universidade particular da cidade de Fortaleza. O objetivo era o de levantar dados sobre a forma como estes compreendem os relacionamentos amorosos atualmente. Para tanto foram investigadas questões relacionadas ao fenômeno do ficar, ao namoro, amor, questões de gênero, casamento, e amor virtual. O aplicativo Tinder, cujo objetivo é a busca de possíveis parceiros para relacionamentos muitas vezes fugazes, embora não seja o foco da pesquisa, aparece no título do trabalho como forma de tentar definir a época em que vivemos, em que fenômenos como a corte, o amor romântico e o enamoramento são muitas vezes substituídas por cliques em um aparelho celular.
Para melhor facilitar o entendimento, torna-se necessário discorrer sobre questões pertinentes aos relacionamentos na contemporaneidade. A atual sociedade, que Bauman (2008) denomina de modernidade líquida, tem como característica a eliminação das divisões entre consumidor e mercadoria, de tal modo que o consumidor passa a ser um objeto consumido além de também ser percebida uma constante fluidez, efemeridade e o rápido descarte. Assim, segundo o autor os relacionamentos amorosos também acabam sendo perpassados por essas características citadas: consumimo-nos uns aos outros da mesma forma precária e volátil que consumimos bens e serviços.
Bauman (2004) ao falar dos relacionamentos amorosos, os descreve como uma mercadoria a ser consumida: “guiada pelo impulso […] tal como outros bens de consumo, ela deve ser consumida instantaneamente (não requer maiores treinamentos nem uma preparação prolongada) e usada uma só vez, ‘sem preconceito’. É, antes de mais nada, eminentemente descartável” (p. 27). O autor ainda reitera que os relacionamentos ‘novos e aperfeiçoados’, ‘de comprometimento ligh‘, reduzem seu tempo de duração para que ele seja o mesmo da satisfação que produzem: o compromisso é válido até que a satisfação desapareça ou caia abaixo de um padrão aceitável – e nem um instante a mais (Bauman, 2009, p. 26).
É importante ressaltar, no entanto, que as teorias de Bauman correm um risco sempre presente em qualquer aporte teórico: o da excessiva generalização. Não se deve, portanto, considerar suas ideias como verdades absolutas e nem mesmo como uma chave de compreensão para todo e qualquer relacionamento contemporâneo. O objetivo aqui é perceber uma tendência, um fenômeno que aparece na contemporaneidade e que chama a nossa atenção. Mas não podemos perder de vista que nem todos os relacionamentos atuais se encaixam nesta grade. Percebemos que a mesma sociedade que cria os aplicativos de relacionamento e que faz e desfaz contratos num piscar de olhos é aquela em que boa parte das pessoas ainda busca um relacionamento duradouro e significativo e em que o ideal de casamento permanece presente no imaginário de boa parte das pessoas. Malgrado o aumento exponencial no número de divórcios e separações, muitas delas acontecidas em questão de semana (ou mesmo dias, no caso de algumas celebridades) ainda é considerável o número de relações estáveis e duradouras.
De acordo com Rougement (2003), a concepção de amor na atualidade mantém diversas características ocidentais e é relativamente recente, surgindo aproximadamente no século XII. Nesse período diversas concepções de amor foram estruturadas e também dissolvidas. Além de estudos teóricos levantados sobre a temática, a literatura torna-se uma forma de compreender as narrativas sobre o amor, inclusive na contemporaneidade (Borges, 2004). A partir disso é possível citar clássicos históricos que favorecem essa visão, tais como o mito de Tristão e Isolda, analisado por Rougement (2003) em sua obra A história do amor no ocidente ou Os sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe (1774/2009), citado acima. Citado como a causa de diversos suicídios no século XVIII, estes acabaram por acrescentar um grande conhecimento sobre o amor e relacionamentos amorosos.
É interessante ressaltar que até os dias atuais a literatura ainda carrega consigo uma ideia de amor forte, duradouro e capaz de enfrentar todos os males, muito associado com a concepção do amor romântico, que mantinha os relacionamentos em seu mais alto grau de ‘até que a morte nos separe’, conotando assim, uma união eterna e um amor infinito. Essa compreensão que literatura carrega difere um pouco sobre a compreensão que alguns estudiosos trazem sobre o amor, sempre o associando a algo fugaz e passageiro. Contudo, difere das leituras românticas mais tradicionais por incorporar em sua narrativa algo estritamente contemporâneo, o “final feliz” está assegurado a ambos que entram no relacionamento. Os sujeitos não se veem colocando sua segurança em risco na busca de obter “sempre mais prazer e sempre mais aprazível prazer”,Bauman (1998, p. 09). Eles sempre se encontram com dois dos bens valiosos na atual sociedade, a liberdade e a segurança. Colocando em pauta as compreensões atuais dos relacionamentos e a concepção da literatura é possível perceber o quanto os relacionamentos amorosos revelam sua singularidade.
“Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”. Vinícius de Moraes (1960) expõe aqui um pensamento capaz de condensar a nova concepção de amor do século XX, inaugurada pela possibilidade de separação dos cônjuges, primeiro pelo desquite e depois pelo divórcio. O amor pode até durar, mas se apaga. Mas, tal como a chama, tem que ser vivido em toda a sua plenitude, até queimar-se. Esta frase remente a uma intensidade na vivência do amor romântico, que não será eterno e duradouro, fato que Bauman (2004) compreende como fragilidade dos vínculos amorosos. Percebe-se portanto em Vinícius (tanto na obra quanto na vida), uma profunda fidelidade amorosa: ama-se intensamente, como se o relacionamento fosse deveras infinito, mas quando este termina, há que ser fiel também a este sentimento. Em última instância, o que se ama não é o ser amado, mas antes o próprio amor que se sente. Feito o luto da perda do amor, o/a amante está pronto/a a se aventurar novamente no território bravio da conquista.
Sobre o tema do amor eterno, Bauman ressalta que afinal, a definição romântica do amor como “até que a morte nos separe” está decididamente fora de moda […] Mas o desaparecimento dessa noção significa, inevitavelmente, a facilitação dos testes pelos quais uma experiência deve passar para ser chamada de “amor”. Em vez de haver mais pessoas atingindo mais vezes os elevados padrões de amor, esses padrões foram baixados. Como resultado, o conjunto de experiências às quais nos referimos com a palavra amor expandiu-se muito (2004, p. 19).
Método
Participantes e Instrumentos
A fim de levantar os dados necessários para alcançar os objetivos em questão, buscou-se fazer o uso da metodologia qualitativa, com o uso de entrevistas semiestruturadas a serem tratadas pelo método da análise de conteúdo de Bardin (2012), que visa à compreensão das relações sociais a partir de amostragens da população (Gerhardt, Ramos, Riquinho & Santos, 2009). Para tanto, foram escolhidos oito estudantes de graduação da universidade onde a pesquisa foi realizada. Todas as entrevistas foram conduzidas individualmente, sendo solicitada a permissão para que as mesmas fossem gravadas. Questões como classe social, religião ou ocupação profissional não foram utilizados como parâmetros relevantes, vez que o objetivo principal era avaliar a questão da faixa etária como possível variável em relação à percepção dos relacionamentos amorosos.
A idade foi um dado de suma importância para a realização da pesquisa, por ser o presente estudo de cunho comparativo. Desta forma, os participantes foram separados em dois grupos, o primeiro é caracterizado pela numeração 01 e composto por quatro pessoas, dois homens e duas mulheres, com idade entre 20 e 25 anos. O segundo grupo, caracterizado pela numeração 02, ficou organizado da mesma forma, tendo como única modificação a idade dos participantes, situada na faixa entre 40 e 45 anos. A fim de coletar os dados de uma maneira igualitária entre os gêneros optou-se pela divisão exata entre homens e mulheres.
O estado civil dos entrevistados foi perguntado. No primeiro grupo, dentre os homens, havia um solteiro e um namorando e, dentre as mulheres, uma solteira e uma noiva. No segundo grupo, um dos homens estava casado e outro solteiro e, uma mulher casada e outra noiva. Percebe-se então que a grande maioria dos entrevistados estava em um relacionamento sério no momento da pesquisa. Ressalta-se que a orientação sexual não foi levada em consideração.
Por ser uma entrevista semiestruturada, foi feito um pequeno roteiro de perguntas para guiar os entrevistadores. Todas as perguntas foram feitas a todos os entrevistados. No total foram realizadas 20 perguntas para cada um dos entrevistados (Ver Apêndice 1). As temáticas destas envolvem questões relativas a compreensão dos relacionamentos na contemporaneidade, relacionamentos online, sexo e amor, casamento, questões de gênero, relacionamentos e felicidade.
Procedimento
Em busca de compreender os dados que foram obtidos nas entrevistas, utilizou-se a análise do conteúdo tal como postulada por Bardin (2012), que tem como objetivo interpretar, através de diversas técnicas, o conteúdo das comunicações, cabendo ao pesquisador categorizar as unidades que se repetem no discurso dos entrevistados, gerando assim representações das mesmas (Bardin, 2012; Caregnato & Mutti, 2006).
Considerações éticas
A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Coética, órgão encarregado pela avaliação das implicações éticas de pesquisas feitas com seres humanos na Universidade de Fortaleza. O parecer consubstanciado foi submetido pela Plataforma Brasil e o número do parecer é 1.242.450.
Resultados e Discussão
A modernidade líquida, de acordo com a perspectiva de Zygmunt Bauman, é marcada pela constante velocidade, efemeridade e movimento, assim os relacionamentos amorosos não fogem deste padrão. Diante dessa constante mudança de cenários, a clamar por identidades múltiplas e fugazes, os sujeitos passam a manter os vínculos frouxos visando que possam ser desfeitos rapidamente, como contratos rescindidos (Bauman, 2004; Bauman, 2001; Lipovetsky, 1989). Nessa concepção de que nada dura e nem é feito para durar, a rapidez com que as pessoas passam a formar laços afetivos torna-se proporcional à velocidade com que o desmancham (Zordan, 2010). As características citadas são percebidas nas falas dos participantes da pesquisa onde, de acordo com o entrevistado B, os relacionamentos estão “menos sérios. Antigamente a gente tinha todo um ritual para começar um relacionamento, hoje em dia ele começa e termina, começa e termina como se não fosse nada, em sua maioria.”. O entrevistado A relata que “elas [as pessoas] encaram os relacionamentos não com muita seriedade ultimamente. É, eu olho para aquela pessoa e pode ser que dure um mês ou não, pode ser que dure uma semana ou mais, um ano”. Contudo, todos os entrevistados do grupo 01 trouxeram uma fala bastante naturalizada sobre esse fenômeno, chegando inclusive a confirmar que entram ou entraram em relacionamentos assim.
Esse fato pode ser corroborado a partir das falas deles sobre o fenômeno do “ficar”. O entrevistado B ressaltou que “é o estágio, um momento de conhecer. É um test drive. Você conhece a pessoa, vai ter os primeiros contatos com a pessoa que pode vir a ser alguém legal na sua vida, ou não.” A entrevistada C trouxe um discurso acerca disso, relatando que “ficar não é nada! As vezes eu ficava com uma pessoa por ficar e isso não representava nada”. Essas compreensões acerca dos relacionamentos amorosos e do “ficar” podem ser compreendidas através de Bauman (2004), que afirma que os relacionamentos amorosos acabam por ser um investimento como qualquer outro que a pessoa pode realizar, contudo “será que alguma vez lhe ocorreria fazer juras de lealdade às ações que acabou de adquirir?” (p. 29). O autor ressalta ainda que “apostar todas as suas fichas em um só número é a máxima insensatez!” (p. 78).
Sobre esses aspectos, é percebida uma diferença entre os grupos entrevistados. Na fala do participante F, integrante do grupo 02, é possível perceber que ele compreende que:
(…) os relacionamentos amorosos têm uma influência bastante extrema do modo de vida das pessoas hoje, que está bastante corrido e isso acaba influenciando nos relacionamentos interpessoais. Porque você não tem muito tempo para se dedicar, né, por causa da contingência da vida moderna. Aí isso acaba incidindo de forma negativa.
Já a entrevistada G relata que:
(…) hoje em dia banalizou muito, eu acho. Hoje em dia, sei lá, o meio cultural e a facilidade para se encontrar pessoas fazem com que não se tenha mais aquele relacionamento de você ficar um tempo, e qualquer briga é motivo para terminar um relacionamento. Eu sou de um tempo em que você tem que conversar né. Mas assim, hoje em dia eu vejo o pessoal, poucos os amigos que eu tenho na faixa de 30 anos, tem um relacionamento serio há mais de um ano. Eu acho que banalizou bastante, o casamento está banalizado também.
Sobre essa questão ela ainda afirma que “qualquer briga é motivo para terminar um relacionamento. Eu sou do tempo em que você tem que conversar né”, tempo do amor romântico. Pois na modernidade esse ideal é rompido, não há mais o laço indissolúvel (Costa, 1999). O fato de a entrevistada relatar ter poucos amigos que tenham um relacionamento sério há mais de um ano remete à questão de que na contemporaneidade os vínculos vêm sendo afrouxados e apertados constantemente, outro aspecto ligado à fluidez dos laços amorosos (Bauman, 2004).
Com relação ao fenômeno do ficar, foi possível perceber que os integrantes do grupo mais velho denotam certa continuidade a esse processo, não se mostrando muito aptos ao ficar somente naquele momento ou naquela noite. A partir da fala do entrevistado G é possível perceber isso, pois para ele ficar é “o primeiro encontro de muitos outros”. Já para a participante F, “a partir do momento que você beijou, está ficando. E eu só fico com uma pessoa se tiver atração, eu não fico por ficar ou em uma noite. Tem que rolar um interesse, um papo legal.”. É possível perceber como essa concepção mantém uma associação com um relacionamento que representa algo para a pessoa, diferente do que a participante C trouxe: “isso não representava nada”.
A participante H relatou nunca ter ficado com ninguém. Perguntada acerca de sua concepção sobre o “ficar”, ela trouxe um discurso de que “então nem sei o que é ficar. Mas, acho que ficar é só um passatempo. Ficou e passou. Fiquei e no outro dia já nem sei mais quem é.” Ao citar isso, ela ressaltou que compreende que “atualmente é dessa forma que as pessoas se relacionam ao ficar”.
Outra questão percebida durante as entrevistas foi com relação ao casamento e à redefinição dos papéis de homens e mulheres. Essa redefinição foi causada pela influência da primeira industrialização e da urbanização (Féres-Carneiro, 1998), que deram início a um processo de reorganização das tarefas, ao puxar as mulheres (primeiramente as das classes menos favorecidas) para o violento e brutal universo do mercado de trabalho e ao produzir o fenômeno das sufragistas, mulheres que, no início do século XX, lutaram, foram presas e morreram pelo direito de votar. Hoje a situação é outra. Percebe-se, a partir da fala do participante A, que tanto o homem quanto a mulher podem ser mais ativos, a mulher pode ser a fornecedora do dinheiro e quem paga as contas e, o cara pode ser quem cuida da casa. No sexo ela pode ser ativa, pode ser dominadora e o homem pode ser mais passivo.
Ao ser questionada sobre os diferentes papeis desempenhados por homens e mulheres, a participante H relatou que “eles podem desempenhar os mesmos papeis, sem exceção de nenhum”. Já o entrevistado E trouxe um discurso um pouco diferenciado:
Não. Biologicamente são diferentes, culturalmente são diferentes também. Então é complicado você estabelecer isonomia com seres que desde a época das cavernas sempre foram diferentes. Por isso que se impõe a igualdade por livro, por lei é algo que já é diferente.
Essa fala remeteu a todo o processo histórico dos direitos adquiridos pela mulher ao longo do tempo. Já o entrevistado B também trouxe um discurso relatando que na verdade isso é bem interessante, normalmente se tem uma visão de que o homem tem que tomar a iniciativa de tudo, de que cabe a ele iniciar qualquer ação dentro de um relacionamento. E não, pode também dividir um pouco essa responsabilidade.
Em outro momento da entrevista ele também mencionou a mudança dos papéis associada aos relacionamentos, afirmando: “eu estou percebendo uma inversão dos papeis, hoje em dia eu vejo mais homens querendo um relacionamento sério do que mulheres.” Percebe-se aqui uma modificação da ideia romântica da mulher, que espera ser conquistada por um homem a fim de manter um relacionamento, bem como uma associação com o fato de que a mulher passa a ter relacionamentos sérios mais tarde por conta da dedicação à carreira profissional (Wendling, 2002).
Essa modificação dos papeis acabou por gerar mudanças nas famílias e, inclusive no casamento. Atualmente, isso acaba por motivar os casais a viverem de uma maneira mais individualista, muitas vezes visando seu próprio prazer (Féres-Carneiro, 1998). Diante disso, pode-se compreender que os sujeitos passam a estipular projetos pessoais individuais. Essa concepção hedonista e que visa à satisfação dos prazeres individuais é percebida na fala do entrevistado E, pois para ele os relacionamentos estão “voláteis. Nós vivemos em uma sociedade hedonista”. Com relação a essas modificações percebidas no casamento, de acordo com a entrevistada H.
(…) nunca existiu o tempo certo para casar. Tem os objetivos e prioridades, e principalmente a mulher anda fazendo isso, ela coloca a formação profissional e a vida independente a frente do casamento, isso tá pesando muito. Cada dia que passa a mulher tá ficando mais independente.
Essa fala denota a mudança no papel desempenhado pelo casamento no imaginário feminino. Wendling (2002). Se, no paradigma romântico, a mulher ansiava pelo casamento que iria lhe garantir, além de amor e companhia, os proventos futuros advindos dos encargos decorrentes da maternidade, atualmente as mulheres passam a optar por casar e ter filhos mais tarde a fim de garantir seu futuro profissional.
Ao falar sobre o casamento, F relata: “Eu diria que são as contingências do dia a dia que levam a pessoa a adiar ou acelerar”. O entrevistado E ainda corrobora com a concepção geral de casamento dos demais participantes do grupo com idade entre 40 e 45 anos, afirmando que:
(…) o estágio que o capitalismo está não permite mais o casamento como foco das pessoas. O valor do casamento está bem atrás para as pessoas. Eles buscam algo a mais que o casamento, pelo menos a maioria delas. Há pessoas que ainda buscam o casamento, mas diminuiu bastante.
Diante desses relatos foi possível perceber que esse grupo de entrevistados trouxe uma concepção mais contemporânea sobre o casamento, não o atrelando mais a uma visão romântica, inclusive nos seus aspectos de eterno e duradouro, como também não o compreendendo como um dos principais projetos de vida. Esses fatores também foram percebidos nas falas de todos os entrevistados do outro grupo, que relatam, de uma maneira geral, que não existe tempo certo para casar, contudo há prioridades na vida que não são necessariamente o casamento.
E então chegamos no polêmico e inescapável problema levantado pelos aplicativos móveis de relacionamentos. Curiosa e ironicamente, os próprios aplicativos são designados móveis, uma vez que mobilidade é mesmo o cerne da questão. Esse tema acaba por ressaltar um tópico essencial aos dias de hoje, a conectividade. Bauman (2004) afirma que, desde que as pessoas estejam com seus celulares, elas nunca estarão fora ou longe, pois os celulares funcionam como uma extensão do corpo para esses sujeitos que estão em constante movimento e sempre conectados.
É a partir desse contexto que os aplicativos de relacionamento surgem, proporcionando aos sujeitos que, a partir de seus celulares, se conheçam e se relacionem de diversas maneiras com outras pessoas. Atualmente há vários aplicativos com esta função, como por exemplo: Happn, Kickoff, DateMe, Badoo e Tinder, sendo este último um dos mais utilizados e o trabalhado mais diretamente nesta pesquisa. Bauman (2004) ressalta que essa pseudo-proximidade acabou por tornar as conexões humanas mais frequentes e banais, pois, além de poderem ser encerradas somente a partir de um botão, elas não deixam sedimentos permanentes após seu término, concepção que denota ainda mais a fragilidade dos laços humanos na contemporaneidade.
Durante as entrevistas, podem-se perceber compreensões bastante diversificadas sobre o tema. B afirma:
Não digo relacionamento, mas conhecer uma pessoa pela internet é interessante. Até hoje em dia que tá todo mundo online fica mais fácil de encontrar alguém na internet do que na própria real life, no método convencional, digamos.
O fenômeno da troca entre os mundos “real” e “virtual”, em que muitas vezes o segundo passa a ter preponderância sobre o primeiro, pode ser percebido nesta fala do entrevistado B. A entrevistada D também teve um relato que aponta uma proximidade com a realidade virtual. Segundo ela:
(…) é um aplicativo [Tinder], para mim, como qualquer outro desses amorosos. Uma pessoa pode namorar alguém que conhece pelo Facebook, então pode namorar alguém que conhece pelo Tinder, é a mesma coisa. O Tinder é só um outro tipo de aplicativo, talvez mais direto, para pessoas que estão a procura.
Já os entrevistados do segundo grupo trouxeram uma fala que difere das do grupo anterior. Segundo o participante E, os relacionamentos online:
(…) são novas formas, né? Antigamente, há cem anos, você tinha uma relação à distância com cartas e com olhar, e isso já indicava algum tipo de relacionamento. Então é uma nova forma de como lidar com isso, preencher seu espaço e seus vazios de diferentes formas inclusive com o uso dos aplicativos ou online: se isso traz felicidade para alguém, se é suficiente, então acredito que seja válido.
Nesse caso é possível perceber que o entrevistado tem um discurso positivo sobre os aplicativos de relacionamento, tratando-os como uma adaptação moderna das formas de lidar com as relações e vínculos. Contudo, é importante ressaltar que esse participante não citou especificamente nenhum aplicativo online, como também não sabe ao certo como funciona o Tinder. Já a entrevistada G, relatou uma compreensão bastante diferente do fenômeno:
Cara, eu entrei nesse Tinder. Mas, o pessoal só quer sexo! Não querem um relacionamento, aí eu “ah, quer saber, não é minha praia!” e saí. Mas, ali eu percebi que é como se fosse uma cartela em que você fica escolhendo o sabor que quer.
Já o entrevistado F afirma que “eu vejo que é só a primeira etapa, tem que ter a segunda etapa que é o pessoalmente. Quando vem a segunda etapa e você conhece pessoalmente é possível fechar o compromisso.” A partir dessas últimas falas, compreende-se que os participantes do segundo grupo não mantém a mesma relação de naturalidade com os aplicativos online que os do primeiro grupo. Eles mostraram-se, inclusive, um pouco incomodados com o funcionamento deste e deram maior importância ao convívio pessoal.
É interessante ressaltar que para eles, diferente de como foi citado por B, a real life não se encontra na internet, inclusive quase todos não acreditam na possibilidade de um relacionamento surgir e se consolidar por meio desses aplicativos. Esse fato foi citado por H ao relatar que “eu não acho legal. Eu não confio nesses relacionamentos” e por G: “Mas, acho que é como se fosse uma roleta russa, é um entre mil”.
Finalizando as análises grupais, o último tópico a ser trabalhado refere-se ao amor e à felicidade. Neste tópico, não houve nenhuma discordância entre os participantes.
Ao se indagar sobre o propósito e finalidade de vida dos seres humanos, Freud (1939/2013) reitera que “é difícil errar a resposta: eles aspiram à felicidade, querem se tornar felizes e assim permanecer” (p. 62). Essa força de propulsão que impele o homem a ser feliz é denominada de “princípio do prazer”, e visa produzir prazer ou evitar o desprazer do sujeito. Contudo “todas as disposições do universo o contrariam; seria possível dizer que o propósito de que o homem seja ‘feliz’ não faz parte do plano da criação” (Freud, 2013, p. 62-63).
Assim, para o autor, a felicidade é um fenômeno episódico de súbita satisfação de necessidades (1939/2013). Contudo, esse obstáculo não impede o homem de ter a felicidade como objetivo de vida (Sewaybricker, 2012).
De acordo com Bauman (2008; 2009) a felicidade é ilusória, uma vez que há o constante empreendimento de novas promessas a fim de superpor as decepções. Assim é perpetuada a crença nessa constante busca. Essa promessa de felicidade que ocorre na vida liquido-moderna não se confirma, pois o deslumbramento ocorre na objetivação de satisfação. Diante disso, quando há uma vontade adquirida, cria-se uma nova. Essa concepção revela uma proximidade com o que Freud situou ser a felicidade. Já para Lipovetsky (2007), na forma do gozo incessante e na posse de bens de consumo, a felicidade impossível e paradoxal tornou-se um imperativo de euforia, adrenalina e adição.
De acordo com Freud (1939/2013), “uma das manifestações de amor, o amor sexual, nos proporcionou a mais intensa experiência de uma sensação avassaladora de prazer, fornecendo-nos assim o modelo de nossas aspirações de felicidade (p. 74)”. A realização da felicidade mantém uma relação com a “satisfação do fato de amar e ser amado (p. 74)”. É possível perceber isso através da fala da participante D, ao relatar que “o amor complementa sua felicidade. O amor é a felicidade para mim”, como também pelo discurso do entrevistado F, dizendo que “a pessoa se sente feliz todos os dias se ela tem certeza que está amando outra pessoa, ela se sente feliz até para enfrentar os desafios do dia-a-dia”.
Para Bauman (2004) os sujeitos amam o fato de poderem ser “objetos dignos de amor” (p. 100), de serem assim reconhecidos, bem como receberem a prova disto, de serem vistos pelo próximo como quem porta “um valor singular, insubstituível e não descartável” (p. 101). Isso já é percebido pela fala da participante G: “ele [o amor] traz alegrias, realizações. O amor traz um companheiro ou uma companheira para construir uma família juntos e tudo isso é felicidade” e pela fala da entrevistada C, afirmando que “você se sente melhor, se sente amada”. Contudo, e paradoxalmente, o ser humano nunca se encontra tão desprotegido do sofrimento do que quando está amando, tornando-se infeliz quando perde o objeto amado ou seu amor (Freud, 1939/2013).
A participante H afirma que “se o amor for correspondido, traz felicidade sim”. Bauman (2004) diz que “o amor é uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável” (p. 23). Seja como for, ao que parece e mesmo com toda a fluidez da modernidade líquida e dos relacionamentos instantâneos, ainda surge a possibilidade de felicidade em um encontro amoroso autêntico com o outro, com todas as incertezas que ele apresenta. O amor, mesmo que não seja eterno ou duradouro, ainda parece ser forte presença no imaginário contemporâneo.
Considerações Finais
O amor, talvez o tema mais presente em toda a história da arte e da literatura universal e um dos mais discutidos na filosofia é, possivelmente, também o mais complexo e paradoxal. Se hoje vivemos o fenômeno dos relacionamentos efêmeros, muitas vezes movidos a aplicativos e mensagens de celular e turbinados pelas páginas das redes sociais e dos chats de relacionamento, não podemos esquecer que o fenômeno já se apresentou sob formas muito variadas ao longo de nossa história. Já foi visto como irrelevante, quando os casamentos eram arranjados pelas famílias patriarcais, já foi visto como troca de bens por antropólogos estudando outros povos, já foi visto como o mais importante de tudo, sob a égide do paradigma romântico. Já foi chamado por Camões (1560/2001) de “contentamento descontente”, “fogo que arde sem se ver” e “ferida que dói e não se sente”. Neste mesmo soneto, o bardo português o afirma ainda um “andar solitário entre a gente”. Todas estas frases denunciam seu caráter paradoxal e contraditório, o que também se evidencia no verso de Vinicius sobre sua duração infinita e efêmera. A mesma paradoxalidade e complexidade do fenômeno foi encontrada ao longo desta pesquisa. Amar é tentar vencer a inexorável solidão a que estamos todos, desde que nos cortaram o cordão umbilical, irremediavelmente lançados, uma busca aventureira que ninguém sabe se irá ou não dar bons frutos.
Quanto às mudanças na forma de se dar dos relacionamentos na contemporaneidade, percebe-se que, em alguns aspectos, houve uma notável diferenciação em relação a nosso passado recente. Lembrando que as conclusões aqui não podem ser universalizadas, dado se tratar de uma pesquisa de escopo reduzido e dadas as particularidades dos relacionamentos, que variam enormemente de um caso para outro, apontamos algumas tendências que apareceram, principalmente quando buscamos comparar os dois grupos pesquisados.
Quanto à estruturação dos relacionamentos amorosos, sua duração e frequência, concluímos que o primeiro grupo denota as transformações ocorridas com mais naturalidade. O segundo grupo, embora demonstre compreender a tendência atual, acaba por apresentar certa nostalgia do vínculo criado pelo amor romântico.
Contudo, ao se falar sobre a redefinição dos papeis de homem e mulher bem como do casamento, percebe-se uma maior proximidade entre os grupos. De maneira geral, para ambos os grupos a mulher e o homem podem desempenhar os mesmos papeis na relação amorosa e sexual. Com relação ao casamento, todos falaram que não há tempo estipulado para casar e corroboraram com o fato de que, na contemporaneidade, sob a égide do sistema capitalista global e altamente competitivo, as pessoas acabam estipulando outras prioridades, principalmente a carreira e, por conta disso, o casamento fica relegado a um segundo plano.
No que diz respeito aos aplicativos de relacionamentos, o primeiro grupo mostrou-se bastante familiarizado com seu uso e objetivo, acreditando ser normal conhecer alguém pelo Tinder ou pela internet, chegando ao radicalismo de afirmar que esta é a ‘real life’. Já os integrantes do segundo grupo, via de regra, mostraram uma compreensão consideravelmente diferente desse aspecto, pois relataram se sentir incomodados com esses aplicativos, acreditando ser difícil um relacionamento verdadeiro surgir através destes e priorizando o convívio pessoal.
Por fim, com relação ao amor e à felicidade, todos os participantes relataram que este é fonte de felicidade, contudo também concordaram que pode ser fonte de sofrimento se não for correspondido, corroborando com a teoria proposta para a análise.
Percebe-se que as compreensões entre os grupos ainda foram bastante similares em alguns pontos. Esse fato pode ter ocorrido por conta da escolha da idade dos sujeitos participantes. Possivelmente maiores contrastes teriam sido encontrados se tivessem sido incluídos entrevistados da faixa entre 60 e 65 anos.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.
Nota♣ Vivemos em uma nova época, a era digital. Que afetou a forma de se relacionar, interagir, hoje as relações giram em torno de grupos, redes sociais, , sites de relacionamentos, quando se quer encontrar alguém para namorar basta entrar em um aplicativo e buscar alguém com compatibilidades.
E onde fica a química? A magia do amor? Para mim isto parece negócio, contrato. Até conheço relações que dão certo usando este técnica, contudo, uma dúvida me consome, será que estas pessoas não estão tão desesperadas para encontrar alguém que se apaixona pela relação e não pela pessoa?
Anota ai♣Ao torto e ao direito se vive. Vive-se só inclusive.
Decore isso e não se esqueça♣ A prioridade da sua vida é cuidar de você e correr atrás dos seus sonhos, não de pessoas!