“Em terra de egos quem vê o outro é rei.
Já ouvi dizer por aí que existem coisas as quais a gente não desaprende nunca. Andar de bicicleta é um exemplo. Desde pequena me avisaram que se aprendi, nunca mais eu iria esquecer. Não é que é verdade? Depois de anos fiz o teste, e sim, continuei sabendo muito bem dominar aquele treco que nunca tive muita intimidade.
E com inúmeras outras coisas por aí acontece o mesmo, isso é fato. Mas existe algo que nós, seres humanos, estamos desaprendendo cada vez mais. A arte de olhar para o outro. Não, não estou falando de cobiçar, olhar com desejo, paquerar, desejar, sentir-se instigado e atraído.
Isso é algo que também pode ser incluído naquelas “inúmeras outras coisas” que a gente, realmente, não esquece como se faz (risos). Mas estou falando, meu caro, é do olhar com pudor, carinho, respeito, sensibilidade. A empatia está perdendo lugar para o egoísmo.
A solidariedade emocional está sendo engolida pelo egocentrismo. O “você está bem?” está sendo substituído cada vez mais pelo “agora não, eu estou com problemas”.
A disposição para, ao menos, tentar entender o outro, seja qual for a sua situação, não está sendo maior do que os julgamentos e condenações. Taparam-se os ouvidos, abriram-se as bocas descontroladamente e viraram-se os olhares apenas para si. Está um caos!
Em uma realidade ultraconectada, onde as dinâmicas das relações adquiriram outra dimensão através da tecnologia, na realidade das redes sociais, das selfies e curtidas, onde vivemos uma cultura do ver e ser visto, talvez, mais do que nunca, a função do olhar se faça presente.
Mas quando digo olhar para o outro, é olhar e ver outro ser humano. Quem vive, pensa e sente diferente, temos que tentar enxergar o outro longe de nossos dogmas e convicções, o outro não é um objeto e na maioria das vezes possui fraquezas e necessidades diferentes da nossa.
O que precisamos é buscar um motivo que nos faça perder a vontade de olhar apenas para o próprio umbigo e levantar a cabeça para enxergar quem está ao nosso lado.
O mundo precisa desenvolver a capacidade de sentir o que a outra pessoa sente caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo, mas não a partir da nossa perspectiva, mas tentando pensar como ele, com as suas crenças e valores.
Dito em palavras mais simples uma coisa pode não ser muito importante para nós, no entanto, para o outro é importante. Nesta situação, a pessoa empática colocaria de lado a sua “escala de importância” para entender o sofrimento do outro a partir da “escala de importância” dele, aceitando, compreendendo, mesmo que se fôssemos nós na mesma situação tivéssemos outro tipo de atitude.
A base disso tudo é respeito. Com alguém que está fora pode entender e julgar o que vai ao íntimo de alguém. Como diz Caetano Veloso em uma de suas canções: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Porque perder a capacidade de olhar para o outro com respeito, é perder a capacidade de ser humano. E quando tal capacidade é perdida, aí tudo por dentro apodrece.
A empatia tem muitos aspectos positivos: facilita a comunicação, o consolo, a resolução de problemas, etc. Mas também existe outro extremo: o negativo.
Contudo, viver continuamente “calçando os sapatos dos outros” pode fazer com que nós criemos uma desconexão emocional com nós mesmos, o que pode nos custar muito caro.
Por isso, é muito bom praticar e treinar a ação mental de nos colocarmos no lugar do outro, mas sem esquecer que a outra pessoa é que está naquela situação.
Fonte= Adaptação do texto do desaprendendo a arte de olhar para o outro de Ana Luiza Santana
Ps= Onde você for vá vestido de você mesmo.. Afinal, o que nos faz especial é justamente o nosso jeitinho.
“A capacidade de se colocar no lugar do outro é uma das funções mais importantes da inteligência. Demonstra o grau de maturidade do ser humano.”
-A. Cury
A IMPORTÂNCIA DO OLHAR DO OUTRO E DO OLHAR PARA O OUTRO
A filosofia cuidou durante muitos séculos de descrever um método do conhecimento. O homem punha-se diante do objeto e procurava conhecê-lo, já que isto se daria através do conhecimento das causas da geração do objeto. Então conhecer o objeto significava poder descrevê-lo. Descarte criou o seu método. Um caminho para obter o conhecimento sobre algo, e com isto influenciou a humanidade toda na forma de pensamento, porque todo o pensamente ocidental ficou contaminado com uma forma de conhecer que foi concebida em relação ao objeto. A questão é que a humanidade incorporou na educação e na formação das pessoas este método, ao mesmo tempo que não criou um método específico para conhecer o OUTRO, e influenciados pela força do pensamento de Descartes, acabamos tomando este método como forma de conhecimento do outro. Quando isto ocorre, como diz Sartre, nada mais fazemos que “objetivar” o OUTRO já que não temos um método para conhecer o outro enquanto sujeito do seu próprio Eu.
Eu Olho o outro e o Outro me Olha. O tornar-me SER existe apenas em mim. Ou seja, toda a filosofia do SER baseou-se sempre em encontrar o ser em nós mesmos, como uma forma egoísta e acabamos esquecendo que dentro do OUTRO há algo que ele chama de EU ( o seu SER). Assim cada vez que olho para o OUTRO eu o objeto e vice-versa, porque não sei do Eu do Outro e este não conhece o meu Eu.O Ser nunca é. Está sempre em transformação e no processo de interiorização. Percorrendo o processo do devir (busca eterna pelo Ser) e criando suas imagens e seus mundos através de seus atos de escolha.
Pois bem, quando eu conheço o objeto eu utilizo o método, indução, dedução, síntese etc. mas, qual é o método para conhecer o outro? E qual é o método que o outro utiliza ao (tentar) me conhecer?É preciso relacionar-me com ele e tentar expressar com o desconto da distância que jamais deixará de existir[1]. Quanto mais distante eu olho o outro, mais o outro é objeto. Explico: quando vou ao banco e olho o gerente do Banco, que nunca conheço, eu tento eliminar a “distância” que existe entre eu e este outro que é o Gerente do Banco. Já a pessoa que está à minha frente, na fila, eu aumento a minha distância entre ele e eu, e com isto vou transformá-lo em objeto cada vez mais. Ou seja, com o Gerente do Banco, (que é um “outro”) vou relacionar-me com ele tentando dar o maior desconto possível da distância, enquanto com o homem da fila não darei desconto algum, porque o meu interesse é diferente, como explicaremos mais adiante.
A preocupação com o conhecimento do “outro” passa pelo olhar. No momento que olho, eu objeto o meu alvo de conhecer e o descrevo a partir do olhar e somente este momento será essencial para eu descrevê-lo caso eu não escolher conviver e amenizar a distância que separa o meu eu daquele eu. Vejam o exemplo do Gerente do Banco e o Homem da Fila.
A coisa ficaria bem mais resolvida se compreendêssemos que o OUTRO, será sempre alguém que tem dentro de si algo que ele chama de EU. Ele tem no seu pensamento algo que ele chama de SER e tem um caminho que chama de DEVIR. Ou seja, sempre que eu considerasse que o Outro é um EU ( nunca um alguém) eu procuraria conhecê-lo, e o meu olhar não seria apenas um momento e sim um começo.
Para Sartre, quando eu olho o “outro” minha apreensão significa o “outro’ como objeto sem sair dos limites da probabilidade e por causa desta probabilidade mesmo, remete por essência. Então quando eu faço isto, há uma captação fundamental do outro, na qual este já não irá revelar-se a mim mais como objeto e sim como presença em pessoa[2]. É necessário melhorar esta percepção banal do outro e ir de encontro do seu eu. Veja quando eu melhoro esta percepção banal do “outro” eu desconto a distância e olho para dentro do seu Eu, fugindo do método e interajo, reajo, intercedo, ouço, falo, compreendo, não rotulo.
Tzetevan Todorov, conta em sua epopéia da “descoberta da América[3]” que Cristovão Colombo quando aportou em terras Americanas ignorou o “outro” americano tomando-o como índio (não encurtando a distância). A passagem mais intrigante se dá quando ele escreve uma carta para a rainha contando que enquanto ele discursava na areia da praia os índios festejavam e se alegravam com suas palavras. Na realidade, como Colombo ignorou o outro, não quis saber de sua língua e de sua cultura, enquanto ele falava, na realidade os índios cantavam os cânticos litúrgicos do canibalismo que antecedia o ataque canibal à nau de Colombo. É um dos melhores exemplos da Literatura em que Colombo simplesmente tomou o outro como objeto, e o seu Olhar ao outro ( o índio) capturou-o como de maneira fundamental, sem encurtar a distância sem imaginar que em cada qual daqueles índios havia algo que cada qual chama de EU.
O Fundamental seria compreender o que somos e conceber o outro, não apenas pelo olhar, mas, “a partir do olhar” e que o outro está em nós para o outro e o outro no outro para nós, e que o conhecimento de ambos se dará apenas com o conhecimento e do contrário o que haverá é traição, rotulação e objetivação, porque o olhar é apenas o momento e não a captação do devir. Porque enquanto o outro é para mim, um objeto provável, também só posso descobrir-me no processo de me tornar objeto provável para um sujeito certo.
O “Ser-visto-pelo-outro” é a verdade do “ver-o-outro”. Todo olhar endereçado a mim, manifesta-se em conexão com a aparição de uma forma sensível em nosso campo perceptivo, mas, ao contrário do que se possa crer, não está vinculado a qualquer forma determinada[4]. O que é preciso olhar é o Ser e não a imagem do Ser. E se ainda formos mais adeptos de Sartre,precisamos captar o Devir, aquele caminho de interiorização o qual é percorrido pelo sujeito, na tentativa do SER. O olhar capta a imagem e não a essência da imagem, o olhar, capta tudo o que está na tela, mas, jamais o que é a tela. Uma tela não é nada mais que um apanhado de materiais, tintas e outros elementos. Uma tela não é o artista é a representação daquilo. O meu Ser tem que ser o meu ser e não a imagem do meu ser, não se pode interpretar o outro na e pela liberdade do olhar.
Cada olhar, cada compreender, deve pressupor o desconto da distância que há entre Eu e o Outro que olhar. Entre o outro que olha e Eu que sou olhado. A palavra talvez seja, “tornar-se” na relação, etornar o outro um “Ser na Relação” e nunca um objeto.
Francisco de Assis e Silva
Inverno de 2.009