“Desde o nascimento, o homem carrega o peso da gravidade em seus ombros. É aparafusado à terra. Mas homem só tem que afundar embaixo da superfície e ele estará livre”. Jacques Cousteau .
Vivemos em uma cultura que exalta a persistência. “Nunca desista”, “persevere até o fim”, são mantras que ressoam em histórias de sucesso e inspiram gerações.
Poucas coisas nos inspiram tanto quanto a capacidade de superação humana. O imaginário está cheio de histórias protagonizadas por heróis que se recusaram a desistir de seus objetivos.
São milhares de depoimentos de mulheres e homens ilustres e também de desconhecidos que se tornaram heróis por sua capacidade de superar obstáculos e não desistir jamais. Verdadeiros legados da força de vontade, persistência e determinação.
Mas será que a cultura que exalta a persistência até o fim, não desiste nunca! Persevere até o fim, é sempre a melhor opção? Será que um determinado comportamento de desistência não deveria passar sempre, pelo crivo da contextualização? De calibrarmos a balança? E considerarmos igualmente as duas possibilidades. “O que vale a pena em continuar”? E o que vale a pena desistir?
E quando desistimos, por exemplo, de um emprego que nos torna infelizes? A coragem de desistir, nesse caso, é um ato de autorrespeito e preservação. Desistir pode ser o ato compassivo de se colocar em primeiro lugar e reconhecer que a nossa paz e felicidade valem mais do que qualquer coisa.
Porém, em um mundo que defende o trabalho árduo e a perseverança como chaves para o sucesso, desistir é difícil. Especialmente quando se investiu tempo, energia e dinheiro em uma decisão.
As pessoas precisam ser livres para fazer essa escolha. No entanto, crescemos sendo encorajados a sermos consistentes e determinados, o que dificulta uma reflexão crítica sobre o assunto e faz com que a gente persiga a falácia: “Desistir não faz parte de meu vocabulário”!
Pois é, eu já ouvi muita gente boa dizer isso. E, mais de uma vez, fiquei pensando se tal postura significava uma grande força interior da pessoa, digna de respeito, ou denunciava uma teimosia pouco saudável e, neste caso, não merecedora de admiração.
Fala isso por experiência própria, já me deparei com situações em que insisti em causas perdidas. Qualquer pessoa que não fosse tão “determinada/teimosa” teria abandonado o barco há muito tempo.
O que me levou à reflexão sobre os limites. Até que ponto persistir é sinal de determinação e confiança, e em que momento ultrapassamos a linha da prudência e entramos na zona irresponsável daquela insistência que não resistiria ao argumento sólido da análise lógica?
O tema em pauta é dar-se conta da diferença entre a persistência e a teimosia, o que, pode acreditar, é sutil como um suspiro. Essa confusão pode nos levar a desperdiçar tempo e energia em projetos infrutíferos, além de nos impedir de crescer e evoluir.
Assim, é preciso estar sempre atento, pois os perigos de confundir teimosia com perseverança são reais e podem nos impedir de alcançar nosso pleno potencial. Por isso é importante aprender a reconhecer quando é hora de persistir e quando é hora de mudar de rumo, saber essa diferença é essencial para alcançarmos nossos objetivos.
Por oportuno, quero fazer um aparte para esclarecer que não estou propondo que o abandono de projetos seja valorizado, estou apenas propondo que o desistir seja considerado em termos de igualdade com o continuar.
Afinal, constantemente a vida nos lança desafios que nos fazem questionar o significado de seguir em frente ou deixar para trás. E ninguém passa um método, sistema ou princípio que nos diga quando é o momento certo para desistir.
E para tomar decisões mais inteligentes, é necessário dominar a arte de desistir, é parte da capacidade de reagir a cenários em mudança, melhorando e calibrando nossas decisões para além do que é prático – ou mesmo possível – ao fazer uma escolha.
É se libertar para examinar outros caminhos ou objetivos mais promissores ou satisfatórios, que podem não ter sido contemplados antes. “Isso não significa rebaixar nossos padrões. É justamente o contrário: significa valorizar tempo e energia para investi-los com sabedoria”.
A desistência que falo é exatamente essa: a que abre caminhos. Não é o “jogar tudo para o alto” por conta de um desconforto ou porque algo não aconteceu do jeito esperado.
Mas o ato de se questionar para, então, decidir o que fazer. Esse tipo de reflexão deveria fazer parte do nosso repertório. Precisamos reconhecer que desistir é uma habilidade. E “precisamos ficar bons nisso”.
Mas, em uma sociedade que valoriza o lutar e o não desistir, a recomendação mais adequada não seria a de saber quando lutar e quando desistir?
Por isso, tenho como lema a oração da serenidade. “Concedei-nos, Senhor, a Serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, Coragem para modificar aquelas que podemos, e Sabedoria para distinguir umas das outras”.
E na hora da dúvida, fica aqui a minha recomendação: quando você perceber que está em uma situação que não lhe permite expressar o seu melhor ou ainda quando notar que está lutando por um objetivo que não é digno de você, simplesmente desista. Porque desistir de uma luta inglória pode ser a melhor maneira de não desistir de si mesmo.
Resolução de ano novo Velhos hábitos, sem as mesmas desculpas.
Para saber + https://www.bbc.com/portuguese/articles/ckk9epx9v35o
Continuaçãohttps://raquelsa.com.br/persistencia-x-teimosia/