Sartre: ser-em-si e ser-para-si e o inferno são os outros. Será?

Imagem

Nota Inicial Conhecer a si mesmo é um processo contínuo que pode exigir uma vida inteira de trabalho assíduo.

Sartre: ser-em-si e ser-para-si

Existencialismo, Sartre O filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), em sua obra ‘O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica’, publicada em 1943, descreve duas categorias fundamentais da existência humana, um deles ele chama de “ser-em-si” e o outro de “ser-para-si”. Segundo ele, o ser-em-si é aquele que se coloca perante uma identidade fixa e pronta de si, tratando a si mesmo de maneira rígida e determinada, como uma essência já acabada, ou um objeto. Não afirma nem nega, não sendo ativo nem passivo, apenas focado em si mesmo, na ideia que estabeleceu sobre si. Não possui consciência de sua liberdade, pois se autodetermina como algo já definido, pronto e encerrado. Trata-se do ser das coisas materiais, onde não há nenhuma intenção que vise ao mundo, ao exterior, se fecha em si mesmo tendo em si o próprio princípio e fim, como a substância de algo, sendo esta a sua interioridade. É exatamente o oposto ao conceito de ‘existência’ e do entendimento de sua dimensão externa, de ser para fora e se transformar com o mundo. “O ser-em-si, (…), refere-se a objetos e mais geralmente a tudo que não é consciência.” (Jack Reynolds, em ‘Existencialismo’, 2014) O ser-em-si é supérfluo, não possui sentido de ser e nem relação alguma com o outro. É o ser que escapa a temporalidade, que se limita em si mesmo. Não estabelece relações autênticas, pois nega qualquer possibilidade mudança, ele simplesmente é o que é, encerrado em si mesmo. Sendo simplesmente aquilo que é, não se percebe livre e não exerce sua liberdade, pois a liberdade depende do nada, de um espaço vazio que coloca a pessoa na posição de fazer, ao invés de apenas ser. Diante da posição ‘em-si’, o indivíduo experimentaria a náusea de viver, clamando pelo vazio, para tornar-se outro, para direcionar-se ao ‘para-si’. Já o ser-para-si é abertura, encara a liberdade e o risco de suas escolhas autônomas, não se fixando a numa identidade rígida, se identifica com o não-ser, estando sempre voltado para fora, aberto ao mundo e às transformações que acontecem no mundo, reconhecendo sua singularidade e como um vir-a-ser, disponível à possibilidade de mudança. “Mais precisamente, o para-si se refere a toda a consciência. Sartre sugere que o ser do para-si é a liberdade, ele funciona pela negação do em-si; em seus próprios termos, o para-si está continuamente se determinando a não ser o em-si.” (Jack Reynolds, em ‘Existencialismo’, 2014) A característica do ser-para-si é a possibilidade, que corresponde à consciência no sentido fenomenológico, que não possui conteúdo, mas é puro direcionamento às coisas do mundo. O ser-para-si experimenta o vazio, é liberdade fundamental, e por isso é também pura transcendência, está sempre se colocando para fora, junto às coisas do mundo, se constitui a partir da nadificação do ser-em-si. O ser-para-si é consciência e vazio, enquanto que o ser-em-si é inteiramente preenchido por si mesmo e sem nenhum vazio. O ser-para-si contêm uma abertura, e precisamente essa abertura possibilita sempre ultrapassar seus próprios limites. Enquanto o ser-em-si permanece fechado em suas próprias fronteiras, o ser-para-si se ultrapassa constantemente. O ser-para-si é um ser para o futuro, uma espontaneidade criadora. “Distinguindo o ‘ser-em-si’ do ‘ser-para-si’: o primeiro, região das coisas materiais, é pura inércia; o segundo, região da consciência, é pura abertura espontânea, pura vacuidade e, portanto, uma ‘nadificação’ na totalidade do ser.” (Luiz Carlos Maciel, em ‘Sartre: vida e obra’, 1980) O ser-para-si é vazio, pura indeterminação, e portanto é radicalmente livre, uma liberdade que se move por conta de suas diversas possibilidades de seu vazio, que busca estabelecer um conteúdo. O ser-para-si não é algo, pois não possui uma essência, ele é pura existência, está condenado a essa liberdade, tendo de fazer escolhas para criar a essência que não possui. Diante de tal liberdade, o ser-para-si experimenta a angústia da escolha, que se trata da necessidade de a todo momento escolher uma opção, diante de todas as possibilidades que surgem e que se abrem em sua frente, porém sem saber qual delas será a melhor escolha. Uma maneira de tentar evitar essa angústia é o que Sartre chama de ‘má-fé’, quando depositamos nossa responsabilidade de escolha em algo que esteja fora de nós, não nos responsabilizando por ela. Repare que o termo ‘para’, do ser-para-si, corresponde à sua condição de transcendência, de abertura para fora, movimento de saída em direção ao que lhe falta, na busca de preenchimento do vazio, do nada. Busca essa que nunca cessará de forma plena. Neste sentido, o ser será sempre uma incompletude e uma tentativa de identificação, numa busca de construção contínua de si mesmo. “Pode-se dizer por isso, segundo Sartre, que o ser-para-si não é, mas existe, ao passo que o em-si é.” (Luiz Carlos Maciel, em ‘Sartre: vida e obra’, 1980) Por isso mesmo Sartre coloca o título de seu livro como ‘O ser e o nada’, que se trata do “ser” (em-si) e o “nada” (para-si). O “ser” é o fundamento, e o “nada” é a consciência, a liberdade. O vazio possível do ser-para-si, na busca de se completar, faz com que apareça o ser-em-si, o realizável. Porém, o em-si é apenas uma das possibilidades do para-si. O que o homem deseja, segundo o filósofo existencialista, é ser-em-si-para-si, combinar a abertura da consciência do ser-para-si com a determinação essencial do ser-em-si. Ele comenta que a realidade humana é uma paixão, pois projeta se perder, tornar-se nada para possuir ser e se tornar essência. Porém, como é impossível unir essas duas maneiras de ser, por elas serem completamente opostas, pois a experiência de uma nega, inevitavelmente, a da outra. É justamente por esse desejo e dessa impossibilidade que Sartre vai dizer que “o homem é uma paixão inútil”.

Por Bruno Carrasco.

Fonte:https://www.ex-isto.com/2019/07/ser-em-si-ser-para-si.html

 

 

.                                              O inferno são os outros. Será?

Na literatura ocidental há pelo menos duas grandes narrativas que moldam nossa visão do inferno. A primeira é a Divina Comédia do poeta Dante Alighieri, que inventou, inspirado na mitologia greco-romana, um engenhoso sistema de suplícios: os gulosos ficam atolados na lama sob uma permanente chuva de granizo; maus conselheiros são afundados no gelo com a cabeça de fora para que suas lágrimas congelem; os hereges são sepultados em túmulos abertos de onde saem labaredas, e os ladrões são picados por serpentes por toda a eternidade. O inferno de Dante é um lembrete da moral cristã.

O curioso é que para atravessar o inferno, Dante não tenha sido ajudado por nenhum santo católico, mas por um pagão, o poeta clássico Virgílio. É ele quem salva Dante das feras, o protege dos demônios e o estimula a seguir em frente nos momentos em que Dante sente que sua própria fé fraqueja. Virgílio, que ajudou Dante a cruzar a barra pesada do inferno, talvez tenha sido o primeiro psicoterapeuta da história da literatura.

Macaque in the trees

A segunda imagem marcante do inferno na literatura ocidental é a do filósofo existencialista Jean Paul Sartre. No inferno de Sartre não há demônios chifrudos nem suplícios. O inferno sartreano é uma sala fechada, com uma decoração cafona. O que condena uma pessoa ao inferno existencialista não é faltar contra os mandamentos cristãos, mas não assumir suas responsabilidades; se omitir em momentos chave da vida. Na filosofia de Sartre o homem é eternamente responsável por sua liberdade. Lembremos que a peça Entre Quatro Paredes é escrita em plena segunda guerra mundial, e uma parte dos franceses havia se tornado colaboracionista do regime nazista.

No inferno de Sartre não há espelhos. As pessoas se vêem apenas pelo olhar do outro: é esse olhar que recorda as omissões do condenado e que justifica a frase célebre: “o inferno são os outros”. A pena máxima no inferno existencialista é a convivência eterna com esse olhar que espelha a falta de coragem em vida.

Mas será mesmo que inferno são os outros? O inferno está sempre fora de nós? Qual a nossa parcela de responsabilidade por nosso inferno interior?

Na psicologia Junguiana, há um conceito muito útil para entender como lidamos com aquilo que julgamos ser nosso inferno interior. Todos possuímos uma parte em nós que julgamos imoral, inaceitável e que portanto tendemos a não reconhecer e a expulsar de nossa consciência a qualquer custo. A essa parte não reconhecida, Jung denominou “Sombra”. A sombra é o inaceitável em nós.

Quando não reconhecemos nossa sombra, somos sempre bons cidadãos, bons colegas, bons cônjuges, bons pais e mães, não invejamos, não bajulamos, não negligenciamos, não somos egoístas, nem consumistas e muito menos trapaceamos. Assim como Dante, damos um jeito de nos colocarmos no paraíso.

Dante não mandou apenas os pecadores para o inferno, mandou também seus inimigos políticos. Ou seja, arrumou uma forma de punir no além os desafetos que não conseguiu vencer em vida. Quem você manda para o inferno revela muito sobre você. Uma característica comum às pessoas que desconhecem sua sombra é expulsarem esse conteúdo inaceitável projetando-o no outro. Esse é um mecanismo bem observável na primeira infância: as crianças pequenas quando tropeçam em um galho aprendem a bater no “galho mau” e a culpá-lo pelo seu desastre. Nessa idade elas ainda precisam localizar o “erro” fora delas. A projeção da sombra no outro é um fenômeno análogo, porém mais sofisticado.

Projetamos nossa sombra preferencialmente naqueles que detêm características que secretamente invejamos ou tememos que se manifestem em nós. Jung estimulava seus pacientes a prestarem bastante atenção nas pessoas que mais lhes incomodavam. Elas costumam ser excelentes espelhos da nossa sombra.

Para a pessoa muito distante de sua sombra, o inferno são os outros, sempre. O processo de amadurecimento psicológico passa por retirar dos outros a projeção do inaceitável em nós, por atravessar nosso inferno interior e reconhecer nossas virtudes e deficiências, sob pena da repetição dantesca dos mesmos erros. Com sorte talvez surja um Virgílio para nos ajudar na travessia.

Source:https://www.jb.com.br/colunistas

 

 “Apenas damos ou recebemos aquilo que temos. Quem ainda não aprendeu a amar a si próprio não pode amar aos outros. Não peçamos amor antes de dá-lo a nós …Hammed

Nota Há momentos, nos quais é preciso biografar-nos, ainda que superficialmente, para vascolejar o pretérito e extrair dele a verdade, somente a verdade…

Ps Que tal considerar que a vida não é um problema? E sim um desafio, uma oportunidade.